terça-feira, dezembro 15, 2015

Nem sons de alaúde

pois
nunca esperam
para revirar o chão
onde não sabemos
dançar 


peço que
sopres o alento
para o mais longo
desvio,

deixemo-
lo cair por
lá,

minha parte,
enferma,
aceita que sejas
tanto figura secando
num ramo sem nome
como
aquela que não despede
os olhos

e descrês do
relógio, mas

descansando,
como que
sem pulmões e
por isso sem
ofegâncias,

quase me prova
que é uma graça
saber, tão
bem,

mentir

          Jonatas Onofre

segunda-feira, dezembro 14, 2015

[vau

a respeito de espelhos,
esperas
e o pó das esporas,
soprado para
longe 


dúvida é o mesmo
que mácula
no átrio
e na camisa sem
estampas
do pensamento

um vento
levantando-a
de encontro
ao sol

é só a luz
superando
um horizonte

o dia
encravando
no dedo

isso de se
pôr

sensação,
pelas extremidades,
de que não será
possível
pés

e ainda vão matar
muito e morrer
assim,

durango
diz: não

e nem somos um
bando,

II

a respeito de expedições,
experts,
não sinalizar as
águas, espirrar
o rio antes
que ele

atravesse a
uretra

e aconteça
nas pedras, como
um câncer,
um inferno festivo
ou um vestígio

para nos deixar
depois,
sem depois,
numa trilha
de pólvora até
qualquer boca
minada

segure-se, kid
o mundo pode buscar
o teu surto
muito antes
do
combinado

durango
diz:
não é
tudo

e nem somos um
bando,

a outra banda
respira o que sobrou
de nós

o rio não, deus-
dará seu vau
mas
ninguém
atravessará]

              Jonatas Onofre

domingo, dezembro 13, 2015

Espelho

sofro a morte em mim,
nascimento
vivo a arte enfim,
meu momento
sou o amor apenas
como invento
nada em mim
causa-me vão orgulho
sou cada vez mais
sombra, entulho
sobra-me a alma
em voz: o barulho

             Zizo

quarta-feira, dezembro 09, 2015

Quem te pertence nesta via
chega bem perto do engenho
de quem te fez.

Argila
mutação do ferro
do chão

O ar parece o mesmo
e o vermelho se anuncia

Outra vez.

            Carlos Nascimento

segunda-feira, dezembro 07, 2015

Fazer das Traves Desafio

Cercar o campo.
Com os olhos dizer
a memória que
acerta com os pés.
Seguir,
no giro, cair,
ver a bola passando.
Não poder mirar sem querer. 

              Carlos Nascimento

terça-feira, novembro 10, 2015

samara


há um e-mail que me chega por engano
15:46 da última quarta-feira do mês
sei bem, a criança que morre no arame farpado
não sorri, ou sorri
se nunca tivesse
sorrido antes na vida
tudo sempre numa curva
as pontas dos dedos cansadas
de escavar a própria carne a procura
do mel, do sal da boca, da conserva, do gosto amargo da primavera
enquanto se corta e contorce, em meio ao capim
a coceira, ela pensa ainda
nas freiadas bruscas da bicicleta
pra levantar o pneu traseiro
e pensa no mar, no que é vasto
no passei de barco no próximo verão
enquanto há ar, há um próximo verão
e bate os pezinhos chatos no chão e grita, tentando
se livrar, a última palavra que aprendeu em
grupos de três, é tétrico tétrico tétrico
pausa, o verão, o sal, o mel, e a limpeza
da caixa de entrada



                         Guilherme Conde

sábado, novembro 07, 2015

[rexistir a que será que se desatina?]

pois quando
tu não me
empenhaste

a vulva
estricnina
vi que não eras
parecias


[rexistir
a que será
que se
calcina?]

assumo tudo
onde nada
assina

e a vida nunca
e a dor

ensina.

[rexistir
a que será
que será
que ser
à que
andam
mentindo
atrás de
mim?]

           Jonatas Onofre

quinta-feira, novembro 05, 2015

3. i want to be with you on doomsday

essa
fome:

arma em-
briológica

telegrama
militar

insípido
caractere

silêncio
bifronte

cardíaco
talismã

beijo sem
mitologia

obtuso
objeto

de ferir
ovários

anônima
assinatura

atômica
aparição.

          Camillo José

segunda-feira, novembro 02, 2015

Calar o silêncio

quero que este filme esteja entre nós
quando minha voz for saqueada

estarei contando frases no céu
e, se restar algo, devolverei meu perfume
a alguém que me olha num canto da sala.

                     Carlos Nascimento

sábado, outubro 24, 2015

O atlântico atravessando este continente
este continente que jamais suicidará a culpa
dormir não se sabe sob estas nuvens
digo
dormindo não se sobe tão alto.

                      Carlos Nascimento



sexta-feira, outubro 23, 2015

Considerações sobre o poeta (r)existindo

Ocorreu-me agora – bem agora – que estou outro. É certo que venho repetindo – quase – isso há dias para mim e para alguns. Mas não me refiro ao sujeito – ao elemento que aceito ser nas cadeias todas que me prendem ao curso natural da existência – Não estou falando do eu que pode ter umas consciências. Tudo isso muda. Absolutamente: tudo isso passa.  Avançamos, regredimos, aprendemos, esquecemos, desprezamos... As ideias atravessam a cabeça. Os desejos exigindo respostas ágeis e práticas do corpo também sofrem alterações. A fome de entender o que nos cerca continua muito parecida com uma espécie peculiar de libido: hora ou outra entra em conflito com as parte mais racionais e frias da carne, excita nos locais mais improváveis, nega seus fogos e artifícios no momento preciso e produz orgasmos insólitos (como se todos não o fossem) quando nem se pensava naquilo. Aquilo entenda-se isso: a vida mesmo. O que não ajuda em nada quem ainda quer captar o que eu tento apontar aqui. Sei. Insisto no óbvio: mudamos, sabemos que mudamos – embora às vezes a percepção disso seja tardia – e aceitamos a necessidade de mudança. Eu por exemplo (como estava tentando dizer) só agora percebo que o poema – assim como os corpos belos ou grotescos com os quais lidamos quase sempre ou quase nunca – interfere profundamente nesse processo. Vejamos: Meu poema me altera o jeito de encarar certa atitude humana que ontem me espantava hoje me enoja e eu, de forma muito ingênua –para não dizer patética – penso que disponho de todas as suas maneiras. Os poemas alheios me constrangem na dimensão absurda de suas revelações sobre mim, sobre o que sinto, sobre o que ainda ouso defender. Como leitor eu nunca sou/serei o mesmo. O maior risco de permitir a invasão do texto nesses terrenos perigosos  do sentimento é o extravio de qualquer chão. Eu poderia jurar – antes – que estava imune a esse tipo de magia negra. Que obra alguma teria tal poder ou permissão de minha parte para devassa tão profunda de coisas minhas “de verdade”. É claro que ao escrever eu poderia ter todos os feitiços possíveis a meu dispor, porém não seria bobo de deixá-los virarem sobre minha própria cabeça. Engano – muito engraçado para os outros – quase trágico para quem o engendra. Agora não é só o acontecimento “normal” (já que o poema é muito um acontecimento também, mas de “aberração”, uma anomalia provocativa), não é só a fossa, o porre, a bancarrota que atravessam a gente num plano mais pragmático, é também esse distúrbio nas pupilas dilatadas, esse instante de possessão demoníaca ou coisa (desa)parecida, essa incontornável overdose de imagem, som e sentido. Descubro que estava correto quem não quis contar: o poema nem carece de (r)existir, (assim como não carece de cigarros e doses mais fortes de bebidas quentes). O poeta? Sim? De quase isso tudo? (r)existir soa melhor que meramente existir ou resistir. Ser outro na constatação: estou de pé no mesmo lugar ou de volta ao lugar anterior, mas não sendo mais – nunca – o mesmo. estar outro. A cada leitura. A cada palavra assentada no subsolo da voz na folha. Acho que tem muita beleza o gesto de admitir isso ao mesmo tempo em que é melodramático. Tragicômico? Homem aceitando fragilidade é sempre assim? Não se meta a escrever quem não tem estômago para se olhar nos espelhos. Aceitar a possibilidade de os estilhaços não colarem é um passo interessante. O primeiro,  acredito com mais força agora, é dizer que não reconheço mais quem escreveu a primeira frase desse texto.

quinta-feira, outubro 22, 2015

[Já olhaste profundamente para
as riscas da tua mão?]

Guarde a risada
para depois de
talvez
e não faça mais
perguntas,
não queira saber
de que lado
partirá a próxima
mão a estalar
na tua cara


não percebes que
as coisas, as pessoas
e os cães andam
cada vez mais
mordidos por essas
luas?

Tu insistes
em lhes oferecer
a carne dos braços,
os véus
dúbios do sexo
e as vogais
raquíticas, semi-
áridas da
garganta

Eles só
conhecem o que
é dentes,
ranger de dentes,
fome e essa espécie
de gente, ou
presa, a que
pertences, sim
tu és destes
que nunca crescem,
ficam idiotas,
suspensos
no ar de alguma
infância obscura
e por isso sempre
servem bem como
pasto
para as feras
Será que só
aprendes quando
estás
com o pescoço
entre mandíbulas?
Quantas vezes mais
tua mão evitará
o golpe tranquilo
entre os
olhos?

Não insista na
tolice de
ignorar o que
as riscas, os
garranchos,
as elipses
entre teus dedos
querem dizer
isso que pensas
ser
sorte, pode muito
bem significar
apenas
um leve atraso
daquilo
que nunca pede
licença
para acontecer
 
         Jonatas Onofre

terça-feira, outubro 20, 2015

um copo seria
o suficiente

para diluir
o gosto da
caligrafia,


fazer chover
no cárcere
deste atraso,

devolver
o inferno
aos abissais.

essa calma
tropeça,

memória
pende feito

grão, móbile
à barlavento.

o corpo resiste
ao ímpeto do sal;

mas não há
oceano que

saiba regar
esta casa.

um copo seria
o suficiente.

um copo,
mais nada.

       Camillo José

segunda-feira, outubro 19, 2015

[a fúria do peixe]

se tentam ferir
meus pés

não procuro
acordos de paz

falar tem se
tornado cada vez

mais
um mero ganir

pelas sombras
e eu já tenho

fastio demais
para responder

ainda mais por
saber que

há tempo de ouvir
o que ninguém tem

coragem de anotar
e há tempo de

esquecer como
chamar alguém

pelo nome
não descuidarei

posso jurar
que algum rosto

escora uma porta
e sorri de mim

sou mesmo
uma fé que fere

há que se pagar
o preço de não

subir
à superfície para

respirar

domingo, outubro 18, 2015

another castle
tua beleza me dói
como um tijolo
maciço de 16 bits
sobre as falanges,
esta nívea candura
é pêssego radioativo,
amanita muscaria
para desavisados;
piedade, miss
murder, piedade.
não me condene
ao nomadismo
esquizo-paranóide
desta tortuosa estrada
de encanamentos,
me poupe do egoísmo
de sacrificar estes laços
jurássico-familiares
pela irreverência
de um checkpoint.
este paraíso está
por um glitch, let's
make the best of
the situation before
we finally go insane.
a solidão virá a conta-
gotas - no poems for
a while - você sabe,
ninguém deveria
gastar sapatos per-
seguindo fantasmas,
dinamitando castelos,
aborrecendo auroras.

          Camillo José

sábado, outubro 17, 2015

Livros

Ando lento
ando lendo
não entendo
nem aprendo
sinto
me sinto
vivo
livre
livro...

    Philipe França

in Do Amor, Do Mundo.

segunda-feira, setembro 21, 2015

select character: axel/blaze

what a wicked game to play:
esse jeito de viver em guerra

com o protetor solar, essa mania
escolar de não trocar as roupas;

somos os inglórios do comitê
revolucionário ultrajovem e

temos gemido com o ímpeto
de ringtones polifônicos,

caçado níqueis e pidgeottos
em atlantic city e cozinhado

nazi scalps ao modo de
shoshanna. — theat me like

your pet shop boys, draw me
like one of your suicide girls —

o taco ao alcance do jackpot,
joelhos posicionados para o

home-run. tuas coxas revestidas
de látex no escurinho do cinema,

nosso sangue vermelho-groselha
escoa gratuito na tela do continue.

som & fúria catalisados em objetos
cortantes e conversações libidinosas:

a poem by
quentin tarantino.

Camillo José

domingo, setembro 20, 2015

O rosto de benedita vincado, vincado de rugas tão belas. que benedita ainda é moça. apesar de mãe, vó, bisa. oitent'anos de mocidade sob o lenço. assim ela consola os cabelos. mais que de prata eles são. à vista. só os poucos que se derramam do tecido grosso. sem estampas. os olhos, os olhos de benedita olham sim. e sempre a parte de mais incêndio em qualquer corpo. é um corpo pouco. o dela. pequenas. roupas alvas. ariadas em pedra de rio. a boca de benedita murcha, murcha é também uma flor tão luminosa. sabe-se que agora não se lamenta pelos dentes. pela ausência de qualquer coisa. que tudo o que resta já guarda como dádiva. a essa altura não há razão de lixo na vida. nunca houve pronúncia de luxo. nem de temor da loucura. os sãos oprimem com ferrões e lucidez. ela prefere o barro. as mãos mudando a cor debaixo de chuva. as veias regidas por outra maneira de desembestar o coração. viver mais do que sempre. o exercício amanhecido de gargalhar nas encruzilhadas. uma vila inteira não ouvindo a voz. a voz de benedita. dobrando esquinas. subindo telhados. revirando folhas nos quintais. benedita moça de novo. moça sempre. dia após era. era após hora. família vivendo as lonjuras de ser família. dos cuidados. dos medos. qualquer dia uma queda. um coração espocando na ladeira. uma cabeça partida em cacos de argila. e o corpo como aquele pote que a menina benedita estirava no chão de terra batida de mãe. tempo que não se sabe o quanto tem de ontem. de agora. o corpo como pote fica no chão todo manso em ser coisa quebrada. o é. chão cicatrizado de tanto passo de gente e bicho. Benedita morre não. sabe. volta a ser mais que pó. mais que barro. mais que estátua na praça. pequena entre casas de taipa. as mãos de benedita cálidas, cálidas franzindo as roupas do noivo. moço agora. como ela. desenterrado do canteiro lateral do cemitério. o juízo de benedita dizem. perdido. um dia ela voltando do rio e já nas costelas trazia aquela risada. ninguém devia espantar-se com isso. filhos e filhas. todos só precisam louvar seus longos cabelos. os mistérios de sua pele toda escrevinhada. décadas e décadas. benedita pregando-se nua nos varais. benedita esquecendo a língua inútil dos homens. benedita morre não. sabe. ninguém nunca resiste a tal amor. Ninguém vive não. só se um dia sentar nu. abraçar o chão junto com ela. e pedir. vó benedita ensina que a gente aprende. ensina que a gente cansou de razão. ensina que agora a gente quer viver. viver vida mesmo. viver verdade.

Jonatas Onofre

sábado, setembro 19, 2015

trompe-l’œil

quando perdi a quarta namorada
ganhei um porquinho-da-índia
da professora de morfossintaxe.
[que dor no coração me dava]
perdi o trem para green hill,
a vontade de salvar a cidade
de townsville, as partituras
de ocarina e o apreço por rick
astley. eu simulava honey-
moons, escrevia fanfics, o
convidava para double
dates. ele não revidava.
preferia dormir entre o
cooler e os slots de memória
a roer as fronteiras da cama,
não fazia caso nenhum de
minhas sodomias e literaturas.

— o meu porquinho-da-índia
foi minha primeira dakimakura.

Camillo José

sexta-feira, setembro 18, 2015

Praga & Paga

Em breve ele será apenas o pó que veste o corpo e nada mais terá a dizer afinal tudo se despede e o cadáver grávido de amanhã não nos interessa.coragem é pensar e não mentir ao menos para si quando tudo que é chão trai e o espelho cheio de sarcasmo chama pra conversar e não te responde mais. é o que ele pensa. a mais arrogante ingenuidade. sua crença cairá no último fio de cabelo como uma praga purgando suas dívidas. todas. para que assim aprenda como nunca. e ao sussurrar no espaço aéreo de uma overdose: perdoei-me. engendre apenas a pronúncia de uma conjugação obsoleta incrustada no mais remoto de seu passado. como um trauma de infância. um crime inconfessável. uma perversão engolida no sêmen de cada noite. patético. só agora percebe: não sabe mais dizer amém, amem. talvez achar que sabia tenha sido sua maior ilusão. dentre todas. todas. favor não ter pena dele. não é necessário. na vida real esse tipo de depoimento classifica-se como melodrama barato. não se meta medo. não se meta nisso. o que se pode fazer. azar? o nosso que nunca. acho que significa até uma espécie de sorte pra ele. sim. uma sorte como uma navalha, uma gravata, um vidro todo de calmantes na hora exata em que a fuga solicita. exige. sabe o que é? é o que vale: nada de esquecer nossos umbigos. não serve. ele só sacou como a coisa toda caminha. só isso. deixe-o às voltas com suas próprias mãos. ninguém precisa se sujar além daquele balde de lama que recebeu ao nascer para equilibrar sobre a cabeça e com o qual deve se desdobrar até o último tropeço. o que podemos pensar? nele? já disse que não vale nossa pena. resolve-se antes de nós, inclusive. e para nossa inveja silenciosa, despeitada, escondida sob o falso espanto e a piedosa reprovação. ele saberá extraviar-se. é a coisa. a única que a gente nunca desaprende. parece até que sempre começamos de um jeito diferente para encerrar assim. mas não vou falar de certezas. tenho medo. digo que parece. basta. ele começou assim: dizendo o que era. o que não era. conversas de crer. vê. é possível? quero rir. muito. não dá pra ser menino toda vida. entre a praga e a paga esperto é quem sai de cobrador. trate de sufocar qualquer misericórdia. piedade é para quem tem ganas de se jogar das alturas esperando asas. talvez anjos. sendo que o tesão está em pisar bem essa terra estuprada. abraçar o corpanzil suculento de nossa crueldade. ser gente como gente de fato deve ser. chaga e imundície. famintos por desgraças. saiba que já se foi o tempo de serventia dos heróis. e falando em tempo. esse que é nosso não passa de uma grande porcaria esvaindo-se como um vazamento de privada. entende agora? nada mais que fezes. não pense mais nele. certo? em breve será apenas o pó que veste o corpo e nada mais terá a dizer. você tem que se conformar. Não? Nunca? Aí sim o azar passa a ser teu também. E eu não quero fazer nada. Eu só estou aqui para cobrar.

Jonatas Onofre

quinta-feira, setembro 17, 2015

blackout melody
eu e
tu, rest-
às escur-
as
regg-
aí o sangue,
a vontade let's
play, let's
play
bá-
lãs-
se quis-
erre-
se-
nã-
um-
as-
ó se-
hahahaha o laps-
ó:
deixam-
eu
tex-
tí-
cu-
lo-
te-
ca-
í-
r
no br-
eu
do br-
às
do br-
é-
shô-
w

   Jonatas Onofre

quarta-feira, setembro 16, 2015

Água & Vinho
Desde cedo os utensílios me ensinaram
a maneira mais serena de ser cruel
Antes mesmo de você abrir o espaço que
nunca houve entre minhas costelas
Confesso que relutei enquanto guardava
minhas mãos em algum bolso falso
O melhor que se pode aprender neste resto
de mundo é como esquecer a piedade
Não o jeito mais discreto de esconder as
unhas cheias de terra e açafrão
Quando parece que é só a melodia leve de
um piano e quase queremos sorrir
É bem nesse instante que se deve procurar
alguém para purgar nossas faltas
Fazer de olhos abertos o que nunca se faz
nem com o devedor mais maldito
Estamos aqui para nos ferir pelos séculos
mesmo quando não for possível
Então todas as vezes que estivermos perto
de sarar passaremos brasas ali
Assim como não deixarei minha mania de rir
um pouco antes da quase morrer
Eu sou mesmo cruel para além de minha voz
e da pouca força nos joelhos
Algo passa pela cabeça como fumaça ou pó
não posso saber de uma coisa
Me vejo naquele copo de água tão frágil
que você despeja num mar vermelho
                                 Jonatas Onofre

terça-feira, setembro 15, 2015

Falava com pouca decência em mãos
mesmo buscando vogais com esses lábios ressecados
só as peles descascadas de seu rosto faziam-se voz mapiando o destino:

Imaginem os sem-calcanhares
imaginem a tumba dos santos saqueados no terraço
esses são nossos filhos
e até aqui ninguém nos ajudou.

                      Carlos Nascimento

segunda-feira, setembro 14, 2015

the new, ei Gil
vê bem, frá-
gil
eu tenho sede
sim
o mundo segue-
se-
indo des-
igual
cru-
el paz-
so-
la paz-
so yo trôp-
ego e
la cara
lavada em leve-
dura
esperando-
a
deixa-
a
cauda des-
sa ser-
eia
dessa sor-
te
que a vida
não
permite-se-
r não
outra coisa
nunca:
a gente jantando-
a inteira,
no que pare-
ser uma ba-
leia
e é
só tamanho
da
fome
total-
i-
otária

          Jonatas Onofre

quinta-feira, setembro 10, 2015

Ver o dia

esteja nesta casa para ouvir os restos de alguém
sem falar em perguntas
perfure seus poros
veja
hoje é sábado
suas pernas descansam 
e
mesmo escassas 
nenhuma calçada desiste de sua rua

              Carlos Nascimento




quarta-feira, setembro 02, 2015

[defeitos da drug-
íman 15]

- com
os dedos
nos bolsos
falsos -



típic
-o blood-
ígneo do poet
"a"
deve con
star
nos cr
éditos

- alguém m
ostra o com
ínício das
escadas -

seu cr
hímen deve
ser em flo
res art
office
(A.rt
ific
I.al ins
emination
S)

- difícil é
ler, nisto -

"A", lã
min
ímãn, deve
ser levado
na mão,
a idéia
nunca, na
cabeça

- neste e
difício -

São
permit
idos
trucks
perform
(nus)
áticos

- os últimos
andares serão
os primeiros
a virar escombros -

"A", o fim
vai se l
ograr
pela jam
nela
nem aí para
o f
acto
de ser
em
terminante
mente
vetad
os
des
locamentos
temporais o
u geo
gráficos
" morte, vela, sentinela sou
do corpo desse meu irmão
que já se vai
revejo nessa hora tudo

o que ocorreu

memória não morrerá..."

Sentinela, de Fernando Brant e Milton Nascimento, por Jonatas Onofre:

              https://soundcloud.com/jonatas-onofre/sentinela-ao-vivo

terça-feira, setembro 01, 2015

Trapdoor to Rave
examinem as avarias no meu fígado,
mas só amanhã. agora podem viver a
trip de Alzeimer [chuvisca numa te-
la analógica e nenhum de nós pode
voltar aos sete anos ou ao primei-
ro nó de línguas] eu quero chupar
o encéfalo grilado dessa Dj-genera-
tion. ou acredito muito em tudo is-
so que parece passar pela gente.mas
nem pode ser mesmo verdade um beijo,
um atrito entre nossos púbis, algum
corpo mais estranho que um copo es-
migalhando-se na tua tatu-traquéia.
[nunca deveriam ter me acordado tão
cedo, a essas horas eu nunca tenho
bons instintos] dançar para que o
holograma de nietzsche nos acenda
buquês de velas vermelhas na encruz-
ilha dadá [eu sei que todos os poets-
tars querem a escritura do cabaret
do voltaire] qualquer dia ainda vou
encher seus mictórios com a areia pro-
duzida na minha bexiga de gás élio.
pensar como se a comissão julgadora
do apocalipse estivesse de recesso
ou prestes a cometer suicídio. aqui
uma informação que pode ser importan-
te: a palavra arrebol nunca ferveu
no meu esperma.[isso é um simulador
de cabeça em curto-circo-icto quando
alguém ainda acredita no ritmo papa-
pai-madre-never-marijuana de um sonet-
otário] aí a gente começa uma festa
no lado mais bad de um satélite ingl-
ês e nem se importa com a precarieda-
de dos jogos de luz. quantas vezes vc
já se perguntou: "em que recôndito a
mulher que eu ainda quero está escon-
dendo as mãos agora?" sorria se ainda
quiser ser uma reprise afundando-se na
tarde de um domingo. esqueço numa gave-
ta todas as vezes em que não respondi
à altura com essa boca bem mais lasci-
va pairando sobre meu uniforme de anjo.
mas esta é a hora de pular com os dois
pés sobre os pedais de destruição. ver
o desespero de quem não sabe a serventia
dos alçapões e acha - mesmo - que é pos-
sível entrar na rave só pressionando-se
para cima. gozar sem as mãos no rosto
mais atônito dessa década [para ser a
obra-prima em HD de um cinegrafista ama-
dor] por sofrermos todos de imperícia e
nunca sabermos a diferença entre transe e
transa até que tenhamos danificado alguma
peça e ninguém mais consiga consertar.
                           Jonatas Onofre

segunda-feira, agosto 31, 2015

[de como Crhistian é o sol e você sempre
será um só]
um leão num-
a cai-
xa foi a
isca
que nenhum
ano
quis enfiar na
boca do
aquá
rio
onde tua cren-
ça na vi-
da ia se a-
cabando,
[não como á-
gua ou
como lá-
gr
ímã,
mas como al-
go mais seco que
um cora-
ção
que
não cabe mais
em si]
e foi
assim que
nunca foste a
Londres
muito menos soul-
beste
como chegar ao
quênia
mas estavas tão
perto de a-
prender um a-
braço
talvez você
voltas-
se
com-
o próprio sol,
sim.
seria mesmo
com-
o subir de um-
a manhã
bastava encontra-
lo, lá
no caminho,
um filho-
te de
leão
se houvesse
um
se os
homens deixas-
sem medo
es-
se caminho-
u es-
sem-
ar
ou esse o-
lhar de crian-
ça
cheia de juba
existir

          Jonatas Onofre

sábado, agosto 29, 2015

araçá-blur

i can't believe the news today:
teus satélites naturais 
sem cd de instalação
tua alma aprisionada
nos calabouços
de um pen drive
[oh no... this is
a nightmare...]
acabou chorare, billy
fodeu tudo, augusto
vão dizer que a gente
não sabe ficar odara
vão nos fazer
de tropicanóides
-- você já foi a
tatooine, nego? --
lá vem o skylab
descendo a ladeira
-- what a bunch
of daft punks ! --
hi hi johnny, hi hi alfredo
resistance is futile, my fellas
a revolução será
remasterizada
e esse modem
é pequeno demais
pra nossa gangue;
give it up, sweet michael
eles não ligam pra gente
o futuro é tamagotchi fabricado
na zona franca de manaus
[batteries not included]

               Camillo José
Confesso que já quis - muito - que o poema fosse uma cura. uma fuga. uma resposta. uma carícia. um orgasmo. um soco. um beijo. uma verdade. uma vingança. um presente. um sorriso. um abraço. uma lição. um desabafo. uma confissão. uma revelação. um sacrilégio. uma manhã. uma mão. uma cantiga. uma serpente. um escorpião. um grande lábio. uma fresta. uma festa. uma fossa. uma foda. uma mentira. um abcesso. um absurdo. um alto-falante. um pianíssimo. um ventríloco. um antídoto. um incêndio. uma formiga. uma lágrima. um ímã. uma semifusa. uma verdura. uma tesoura. um piano. um asilo. um parafuso. um sobrenome. uma janela. um casaco. uma estrada. uma razão. um...............................................................................Fui - muito - fraco ao desejar tudo isso e muito mais (do que não deveria). Sou louco por ainda supor que resta alguma coisa de pé - e que mereça? estar de pé - na superfície do mundo que inventei ao compasso de meus pulmões - já não tão puros - . A única ferocidade (mesma coisa que certeza) trincada nos dentes é de que nunca permitirei que alguém acredite em alguma vitória sobre todas essas vontades. Cada poema me vence por ser apenas poema. Nunca me serviu para nada além de sacudir o menino sonolento que habita algum quarto escuro em mim. Para desabafos - quase - me serve esse tipo de prosa (dramática? ridícula? pobre?). O poema não. O poema - pode - acontecer. casa?. pelas minhas mãos e - mesmo assim - me deixar trancado do lado de fora.
                                                                               Jonatas Onofre

sexta-feira, agosto 28, 2015

Manual de Roteiro

barato audiovisual, espa-
ço de montagem
ora
suponhamos uma
nebulosa- sem andaimes
ou escoras -
para um close do mito solar,
sequestre-o,
resquício de um deus,
faça ele cuspir uma
confissão:
seu pulmão avariado
no fundo do set
(você pensou que ninguém o
encontraria
ali?)
a cara revirada para as
pedras
e um princípio de falta de
ar
também não estavam no script
antes que a câmera se transfigure
no incêndio
que tua miopia desfigurou
não queira saber de
legenda
morda qualquer boca que
der sopa
transe sobre a terra sem
sal
e o sol na cabeça passará
longe
de ser rock,
depois subirás,
como um nome muito
mastigado
ou
uma mosca
forçando a entrada num
olho de peixe
ou
o cadáver do cineasta
envolto na tela, escura
e sagrada
dos créditos finais

         Jonatas Onofre

quinta-feira, agosto 27, 2015

god is an astronaut in a stupid man suit

foi um sonho de
verão numa praia:
a young girl with eyes
like the desert, quatro
cartelas de zolpidem.
esta paisagem híbrida é
má configuração de DNS,
erro bruto de paginação.
«you are sleeping, you
do not want to believe»
quero 01 magik whip
pra quebrar o gelo,
quero uma nightcall
to tell you how i feel
[they made me do it]
file:///c:/documents%20and
%20settings/all%20users/
documentos/meus%20vídeos/
shia_labeouf_just_do_it.wav
um hamster rói o elástico
da tua calcinha mais fofa;
filhotinhos de ziprasidona
almoçam o teu nariz azul.
o começo das vozes no teu rádio,
a vontade de comer rabanada.
— you've met with a terrible fate,
haven't you? sua danadinha.
— desculpe estranho eu voltei
mais puro do céu.
a lua inteira agora
é uma memória
torpe de tua pele
the killing moon
will come too soon
mil e uma noites de
suspense e hipotermia
toca o telefone,
chega um telegrama:
wake up, donnie
precisamos comprar
mais anestésicos.

               Camillo José

quarta-feira, agosto 26, 2015

teus olhos em longo disparo
convidam
reteso arco
íntimo
tentando alcançar
tanto silêncio

         Guilherme Delgado

terça-feira, agosto 25, 2015

[vamos a 91 quando dava gosto
nascer nesse país]
e os
jornalistas
cantavam árias de
jazz nos gramados de
nova york
porque não
por
que não
fazer parte dessa
banana - van
guardista na vitrine
do cinema são luís dos
lençóis maranhenses?
- as pessoas
caçavam um demônio
que funcionas-
se sem manuais e
baterias recar-
regáveis -
ajoelhados
à janela de uma
tv
quem ousaria querer
outra coisa?
(uma pena
eu ainda não
saber
que era possível se
excitar
com as mãos macias de
uma pergunta
retórica)
aqui podem
confessar as sau-
dade política-
mente incor-
retas:
cigarros em
horário nobre, ma-
milos no almoço
e um puta
que pariu antes
de encher a lan-
cheira
do seu fi-
lho
mais novo
[espero
que ninguém
se confunda com
a quantidade
de espelhos no
avesso
desse poema]
células cerebrais
estavam sempre em banho-
maria
e os narizes co-
çavam sem coca-
ína
ou cola?
besteirol del-
larte,
eu sei,
e a gente sem
entender
- mesmo ágora,
todo mundo metido
à besta -
tudo
tão divertido
passando direto so-
bre a hemor-
ragia de meu vocal-
bulário
eu aprenden-
do os
piores nomes e
esse mundo virando
uma espécie
estranhíssima de
fumaça
só me restou -
a etern-
idade - de
um dia de todos os
santos
e uma dívida pin-
gando até o
último go-
le
de petr-
óleo

         Jonatas Onofre

sábado, agosto 22, 2015

Não é o que eles chamam de rock and roll
ao norte
de babilônia
no sentamos,
certamente,
o lugar mais
fácil para esperar
o que nunca viria,
qualquer
degrau no infinito
onde as horas
rasgassem
o horizonte
e a risada lisér-
gica de um guitarrista
aposentado nos avisasse
que há duas
opções perto das
nossas têmporas:
foder-se
junto com
a catástrofe
do poema
ou
inventar
um novo hit
sampleável,
o que também
significa usar seringas
para encher os olhos
de histeria
ou
continuar
sendo a aberração
desse show,
"isso nunca
foi rock and roll"
você pode
dizer,
eu estaria
muito ocupa-
do em minha
busca pela
utopia
dos orgasmos múl-
tiplos na pele
de uma criatura
distraída,
tudo
o que pode
importar já está
precário demais
para ser real-
mente levado
em conta,
aproveitem a noite,
arranquem de suas cabeças
o pouco de lucidez que ainda
fede nos cabelos,
"isso ainda está longe de ser
rock and roll" você pode in-
sistir
acha mesmo
que vou dar atenção? estarei
com sono depois de mais uma vez
ter fracasso no meio da viagem,
pensarei
na próxima queda, e na próxima,
e na próxima, e
continuarei
achando tudo isso uma
piada muito mal rabiscada
na latrina de um
sanatório
enquanto
isso deixe
a música estourar
cada alvéolo
como se fosse
a fumaça que
você passou a
vida inteira
tentando não
tragar
tudo será
perfeitamente
entorpecente até
que o sino toque
e o último sóbrio
replique:
"goodnight,
now it's time
to go home"
se você ainda
tiver casa talvez
eu deseje boa sorte

         Jonatas Onofre

sexta-feira, agosto 21, 2015

Vasos da noite
A noite plantada no vácuo bebe adubos,
como teu sonho, não os meus,
de se manter contínuo repetir.
Bebe adubos
bem curtidos a cada dia,
no escuro mulo despupila.
(brande os brios do habitat
numa multiplicação selecionadíssima
de rir na terra o bicho mais ameno.)
A noite plantada no vácuo bebe adubos.
Rende forte mina, ulula assombros
ao pelo em pé da menina.
Sorte que pouco agoa as unidades
com bem abastecidos céus.
(surge semblante asco inagradável
pois que mesmo assim
de perceber melhora)
A noite bebe adubos plantada no vácuo
até que supere o vertigo, não ela,
Zen morta depois de pública,
e como surge, refestela
de arcos conduzindo a malha.
(falso vaso bem quebra
o chão que queda cai
conforto)
A noite bebe adubos plantada no vácuo.
Ao lado inverno da forma
disparada em galhos
fica vago na folha
o recheio que sobe o tronco.

                  Carlos Araújo

quinta-feira, agosto 20, 2015

cântico
é preciso retomar
o angustioso silêncio
de quem está matando
para morrer,
eu sempre segui assim,
barulho de ogivas
roçando-se
na ferrugem dos bolsos,
até o instante em que
teus olhos quase me
disseram: "sorria
como se não estivesse
asfixiando-se numa poça
de sangue"
e eu quase acreditei
e esqueci das bolhas que
minha respiração fazia
antes de qualquer vento
coagular nas minhas
extremidades
aí foi tempo de
perceber a tolice
de qualquer distância
e que fatalmente
nunca mais levantaria
com alguma firmeza
o rosto que desceu
procurando todas as
tuas bocas
o que mais pode
ser dito quando as
palavras
ainda estão por existir?
pode ser
engraçado
pensar que, mesmo assim,
minha língua
dobra de tamanho
quando
aceito as saudades
que ela sente
da tua
a cidade não
é a mesma urgência
e as coisas ávidas
estavam mentindo pra
mim
desde quando as garrafas
quedavam-se intactas
eu, dúvida
que se deixa mastigar
pelo segredo
me alcanço
na sórdida orquestração
de um sintoma
sim, posso não
passar de um armazém
fraturado
por uma doença
tropical
o ranger de dentes
é meu último recado
antes de apertar
o mecanismo do cadeado
espesso na garganta
antes -
pois não me
esqueço de ser
crueldade -
é preciso rasgar-te
com o angustioso cântico
de quem está vivendo
para nunca mais

            Jonatas Onofre

sábado, agosto 15, 2015

Sombra Sem Réstia

Pendo nesta folha.
Não diferente de uma esfera,
deslizo.

          Carlos Nascimento

sexta-feira, agosto 14, 2015

Tentei não olhar para os céus.

Era a cama desaguando-nos, o calor,
Ângela e eu percorrendo os lençóis.

                  Carlos Nascimento






quinta-feira, agosto 13, 2015

fale-me mais coisas sobre golden bridge
tudo o que faça minha boca encher de sangue.
tudo o que decalque meus dentes com esse mesmo sangue.
tudo o que atravesse a parte interna da língua dos outros com o gosto
do meu sangue.
sempre soube que seriamos capazes de sorrir no segundo seguinte ao salto.
sim. as ferragens da golden gate passam sua cor, talvez algum ferrugem,
no gosto que eu ainda sinto entre as glândulas salivares
não. eu não sei o que você tem a dizer sobre golden gate e o movimento dos
barcos esperando o barulho das águas engolindo ossos.
"havia turistas na ponte"
de fato, eu nunca olhei para alcatraz, não sei o sol que pode fazer ali,
desconheço a bruma que a câmera capturou e não me importo com nada mais
além desse gosto de sangue, os rastros que ficam na pia,
partindo de uns tons mais claros à ardência rubra dos coágulos que certamente
ainda escorrem pelos canos
ela era angelical,
diz a mãe de uma moça que partiu seu pescoço nas paredes do rio,
o que tenho eu com isso, mulher? com teus olhos claros, lavados por tantas
torrentes,
as roupas eram pretas, as cortinas
eram pretas
as paredes eram pretas
que tenho eu com a sindrome rock de teu filho, mulher? com teus cabelos
prateados pela espera
isso foi um pouco antes do natal,
não gostei de sua voz vovó, não devia tremer tanto o som, já devia ter parado
de chorar
ser esquizofrênico é como assistir tv,
outra moça de quem perdi o rosto e os possíveis gestos irritantes diz
e lá está the bridge, vermelha & mais vermelha ainda
eu não consigo ver alcatraz
daí por diante só descida, como se eu não soubesse, como se
eu não sorrisse
pier 39
antes de ir à alcatraz, chega de me apontar alcatraz e dizer
que é possível um lugar de sol perto daqui, tão perto do grito de alguns que
se arrependem ao estilhaçarem-se no fundo do abismo
isso não parece nada demais
nada demais?
quer que eu continue sorrindo ou que te ensine o melhor lugar para pular?
você tirava fotos deles
volte lá e
deixou a bolsa no chão e pulou
deixou a bolsa
jump
estou 100% convencido de que ... cometeu suicídio
quem?
fale-me mais coisas sobre golden bridge,
ele não pode olhar...
ele não conversa com você assim?
coragem de fazer aquilo, ahhh como é fascinante, tão fascinante que eu nem me
irrito mais com a voz daquela vovó, com esse gosto de sangue, ainda
com o som de pianos irônicos e uma voz estrangeira tocando no rádio do carro que
cruza a vermelha & cada vez mais vermelha ponte
... ele está lá
no fundo? nas rochas mais ao norte de onde nem sei?
perto de umas estruturas carcomidas, nunca mais vermelhas?
... ninguém sabe o que você está passando.
um barco apita por ali. procuram mais e mais e mais. um apito.
... é aí que alguém vai ter coragem.
pelo menos ele me agradeceu por dizer a verdade...
a verdade? no fundo do rio há gosto de sangue entre os dentes também?
será que todos eles fogem desse mesmo esvair-se, desse sabor?
porque ele falava quase fazendo piada.
eu sei.eu sei.
ele uivava, não? anos e anos e anos... ele uivava na parte mais fotografada pelo
homem na américa do norte
é uma festa essa ponte, será que é muito fundo? fundo?
tudo o que faça minha boca encher de sangue?
ei todos vocês aí embaixo, respondam!
você vai mesmo morrer assim, perguntaram a cada um de vocês.
mas eu pergunto pelo fundo de onde vem esse sangue
e vocês não podiam ficar assim
tão cheios de peixes, tão azulados e podres e sem nomes próprios na boca
vocês não atravessaram nada depois
e é a parte difícil pra mim,
todas a falas desse texto são reais, menos a minha
e nem adianta avisar,
san francisco ao fundo, amigos prestes a perder um amigo
mochilas de gente bem vestida,
longo caminhho até a água, sim e a mochila pode acelerar tudo
nós nunca o vimos pular
não teve nada a ver com você? sério? quem pode acreditar nisso?
tentou tudo o que podia?
vamos falar da névoa, quando a ponte some dentro dela e não se sabe quem some
na ponte
ela subiu com tanta facilidade
é isso, eles iam
uma cena perfeita,
só quero extinguir tudo o que faça minha boca encher de sangue
assim
sempre soube que seriamos capazes de sorrir no segundo seguinte ao salto
que ainda não é o nosso
sempre soube que não adiantaria nada
agora mesmo você escuta o som de mais um baque na água
vamos... sim! você pode! nós podemos sorrir!
e certamente outras bocas o farão quando for a nossa vez

                                                    Jonatas Onofre

sábado, agosto 08, 2015

Notas sobre tradução simultânea da chuva
habitar
o oxigênio
e a sobriedade 
sem luminárias
perto das
palmas das mãos,
soprar o cisco
para o olho do
anjo que vela meu
cárcere por
cima do ombro,
ver tudo virar carniça
dentro do sono
e não saber mais
dormir, só
apodrecer à
vista dos abutres
de deus,
(mas até que
isso pode ter
sua graça assim
como debaixo da
minha língua
camaleões fazem
cócegas
ao dilacerar
o nome que eu ia
inventar pra você,
enquanto despertava
de uma asfixia)
habitar
o barulho,
perceba como é
seco, do vento
sobre o barro que
sobrou nos telhados
apertar os dedos
do anjo até que
ele solte um gemido
ou um estalo e
morda meus cabelos
ou minhas orelhas
dizer ai, como se
fosse uma canção,
descobrir a ausência
de um revólver na
gaveta que talvez
nem possa existir
e lembrar de todos
os lugares onde
nunca se pisou
com os dois pés,
para então admitir,
sem nódoas nem
pigarro, que
cada segundo atraves-
sado foi um chance
de morrer
ou melhor, de
aprender a estar
calado enquanto
a chuva inventava
seus dialetos
e o mundo ressonava
mergulhado nos
mesmíssimos pecados

           Jonatas Onofre

sexta-feira, agosto 07, 2015

Não Basta uma piscina de colchões, 
para reparar meus sonhos. sem dese-
nhar mais um dilúvio, a medida do 
sono se espalha neste território some-
no, descaindo nas alturas de carbono, 
aparando as denúncias da matéria. Ma-
is que uma fração de tudo é necessário
para tal apreensão. Meus sonhos... 
Vivem Desertos de chão.

                    Carlos Nascimento


quinta-feira, agosto 06, 2015

SONETO 202 (AO HIPPIE) O flower power viu você crescer e seu cabelo, à mesma proporção. De São Francisco a Londres, a noção de paz e amor irá permanecer. Tune in, turn on, drop out tentou dizer: Viagem, sintonia, sacação. Na década da droga era o bordão, e o mundo viu o sonho acontecer. Mas, como todo sonho tem um fim, a roupa colorida desbotou, e agora você é pai dum outro teen: Careta, que nem curte rock'n'roll. Seu pé, porém, ainda tem pra mim um cheiro de amor livre under the toe...
                          Glauco Mattoso
                    

quarta-feira, agosto 05, 2015

Cirurgia em D menor
nunca
precisamos
tanto do grito 
como agora que os
prédios esquecem-se
como esqueletos e entre
os homens extinguem-se as
maneiras de um dizer claro
há o que se lamentar resta uma
mão enfiada no duodeno e uma pessoa
que não pode mais ser bela ou gostar de
jazz fusion um catálogo de posições sexuais
moscas evitando a decomposição entre os joelhos
paraplégicos e algo sagrando-se no mofo de um sofá lilás
nunca precisamos tanto do grito assim mesmo arrancado sem vírgulas
da última caixa torácica do mundo
                                             
                                Jonatas Onofre

terça-feira, agosto 04, 2015

Estranho
mar de pêlos
que sai da boca
e morre
Céu
de coberta fina
pune ao meio
desagradáveis nós.

        Débora Gil Pantaleão

segunda-feira, agosto 03, 2015

Radi‐ação

Perto da mesa
o televisor devora

com seu toque de arranha‐céu

os controles remotos o cinzeiro
as pequenas coisas jogadas 
pelo rádio na parede rugosa

Os pântanos na ponta da antena
as sombras e algumas outras 
semelhanças de íons 
contracapas de tablets 
e demais iguarias alimentam 
o peixe palhaço mediador 
das radiofrequências 

único morador deste ecrã. 

Ao seu lado

não param de repetir 
um badalar de orelhas

coisa equidistante
música eletromagnética

Nenhum televisor 
está livre de vizinhanças.

                   Carlos Nascimento

domingo, agosto 02, 2015

O desejo

é passar pelos touros,
adentrar o curral,
socorrer Cleonice
de sua bondade.
Me despir da vontade
ganhadora de prêmios.
Travar mais desafios
com o consumo à frente.
Arregar da batalha
e dormir na primeira calçada
que enxergar nesta rua.
Encarar a insônia,
abraçar o engano,
viver longe de ti.

          Carlos Nascimento

sábado, agosto 01, 2015

Tua Boca há de salivar mãos. Sim. Este
é teu castigo por não aparar a língua e
evitar uma solda-memórica  em tua 
garganta.  As unhas arranharão tuas 
costas, despirão o feto inquilino de
tua espinha dorsal. Sim. Atrofiar os 
olhos sob aquela luz infinda, não nos
fez esquecer o vinho mofado na mesa
de páscoa, nem perder o medo de ver
nossos filhos lacrimejarem nossas úvulas.

                          Carlos Nascimento

quinta-feira, julho 30, 2015

mas encontraría a la maga?
era verão em montevidéu
e apesar da inquisição você
desfilava impávida sobre o mar
morto com a minha cabeça
amarrada à proa do navio.
não te bastava controlar a
loucura dos homens e o curso
das marés, você queria vingar
o nome de suas irmãs, aniquilar
a população da ilha de manhattan
com um taco de basebol. pole
dance em mastros de alta
voltagem, tesoura humana
picotando adamantium.
arquejo de harpa, penacho
de harpia. ulysses te descreveria
com escamas, eu optava por
te situar em trajes metropolitanos
e me flagrava dando socos
cartesianos no ar, cantarolando
dont you forget about me e fingia
saber a movie song quando você
surgia entre as cortinas de fumaça
e sem maiores mitologias me beijava
heroica e oscilante como faziam
os lobisomens e as colegiais.

                         Camillo José

terça-feira, julho 28, 2015

Ode ao grampo
Efêmero
seria achar estranho
entender que o grampo
com séria perícia de metal e fábrica
possa não conferir
eterno fatal de efeito.

          Carlos Araújo

segunda-feira, julho 27, 2015

Sobre datas comemorativas e outras (in)utilidades*

Não é por hoje e toda essa mania de festa – e todo ridículo que possa habitar o culto às efemérides – mas resolvi dizer alguma coisa sobre o escritor. Entidade pairando sobre a face das águas ardentes de qualquer lugar fétido, figura se esgarçando na penumbra de um quarto, exilado, parece querer escapar de seu cubículo para enfrentar o incêndio dos holofotes. Vejo que é preciso abrir uma temporada de caça a esse estranho espécime que vem sofrendo grandes mutações, vem assumindo cada vez mais papéis que não lhe caem muito bem. Está na hora de enfiá-lo numa solitária e deixa-lo mofando lá. 

Que pague o preço sem reclamar e não queira fazer graça. É fácil ser louco depois de fumar um, aos pés de um totem de garrafas de uísque, com a língua dormente por tanto doce e travessura, quero ver pular com a cuca purinha, de cara lavada e provando todo medo de quebrar os dentes. Quero ver construir o texto experimentando o amargo do silêncio e do desprezo. Quero ver seguir com o mesmo estilo mesmo depois de escarrarem na boca berrando: “careta!”. Muita coisa pesa e pega em mim também: é estranho esse tempo em que o jeito de conversar com o leitor muda com a velocidade dos likes. Parece-me que há uma epidemia de preguiça grassando pelos terrenos cada vez menos reais de nossas convivências, uma preguiça irmã da conveniência e das fórmulas de sucesso: sim, o sucesso além de ser essa coisa indefinível (se houver o mínimo de vergonha na cara de quem quiser defini-lo) é também fácil... Ou seria mesmo fóssil? Nossa literatura tão novíssima já merece uma escavação arqueológica, muito embora exista poesia e prosa, mesmo quando sabemos que está muito bem trancafiada em alguma gaveta, ou nos recantos mais empoeirados de um sebo. 
Poderia perguntar onde se meteu a crítica literária e certamente se faria um silêncio embaraçoso. O que vale é ainda estar querendo briga num terreno tão pacífico de um lado (o lado de dentro do mercado, lugar das verdes pastagens, das taças cheias, das camas muito bem ocupadas, dos autorretratos na sacada) e tão violento do outro (o lado dos maltrapilhos, dos revoltados de fúria eriçada, dos que contam moeda pra comprar o papel de rascunho) e claro que não estou afirmando que a coisa chegou nesse ponto de maniqueísmo, muito longe de mim: eu desconsiderar as nuance perigosíssimas desse cenário. A coisa tá bem feia ao mesmo tempo em que ainda se faz alguma coisa e não se pode esquecer. O negócio é segurar nas idéias fixas, ser obsessivo mesmo. Fazer corpo mole é pedir pra ser engolido pelo agora faminto, leão que parece banguela... Mas deixa-o abrir a boca... Deixa pra tu veres...
                                                                              Jonatas Onofre

*Texto originalmente publicado em Nauvoadora - Revista Literária (http://nauvoadora.blogspot.com.br/).

domingo, julho 26, 2015

Água & Vinho

Desde cedo os utensílios me ensinaram
a maneira mais serena de ser cruel
Antes mesmo de você abrir o espaço que
nunca houve entre minhas costelas
Confesso que relutei enquanto guardava
minhas mãos em algum bolso falso
O melhor que se pode aprender neste resto
de mundo é como esquecer a piedade
Não o jeito mais discreto de esconder as
unhas cheias de terra e açafrão
Quando parece que é só a melodia leve de
um piano e quase queremos sorrir
É bem nesse instante que se deve procurar
alguém para purgar nossas faltas
Fazer de olhos abertos o que nunca se faz
nem com o devedor mais maldito
Estamos aqui para nos ferir pelos séculos
mesmo quando não for possível
Então todas as vezes que estivermos perto
de sarar passaremos brasas ali
Assim como não deixarei minha mania de rir
um pouco antes da quase morrer
Eu sou mesmo cruel para além de minha voz
e da pouca força nos joelhos
Algo passa pela cabeça como fumaça ou pó
não posso saber de uma coisa
Me vejo naquele copo de água tão frágil
que você despeja num mar vermelho

                           Jonatas Onofre

sábado, julho 25, 2015

Tem uma parede em minha porta. Quando a porta solta aquele leite de porta e incha, a extremidade do chão esbarra em seus lábios e ela grita, me chama. Chamado de Porta não se atende. Deixa... Porta parece com gente: fala, resmunga, mas ninguém atende.
                                                                     Carlos Nascimento

sexta-feira, julho 24, 2015





        Mais em:  https://soundcloud.com/proj-til-kamikaze/sets/proj-til-kamikaze


dead or alive
procure-o no beco da fome noir
e contrarie as previsões: encontre-o
com a cara entre as pernas da coroa,
encontrando-o no beco da fome noir
sente-se ao seu lado, acenda-lhe um
cigarro, tome uma dose de cuidado
então mate-o no beco da fome noir
mas só no fundo falso de um abraço
para que cegue pelas costas frias ou
capture-o no beco da fome noir
quando estiver tão confiante e solerte
a ponto de esquecer o risco que corre
a cada poema que escreve

                       Jonatas Onofre

quinta-feira, julho 23, 2015

Sonetar e coçar, eis a questão (soneto 5077)

De amigos escutei que alguém commenta
a minha posição na poesia,
dizendo que à exhaustão eu ja teria
levado o sonetismo. Gente attenta!

Procede essa attenção, mas, aos sessenta,
ainda não parei. Que eu gostaria
de ter levado, é claro! Quero, um dia,
dizer que o fiz, que nada se accrescenta.

Depois de alguns milhares, dez ou vinte,
talvez à conclusão chegar eu possa
de, emfim, tel-o exgottado, e com requincte...

Não creio que, comtudo, nesta grossa
e vasta producção, tal chance pinte.
Emquanto eu não morrer, mais um me coça.

                                           Glauco Mattoso


Obs.: Quaesquer textos assignados por Glauco Mattoso estarão em
desaccordo com a orthographia official, pois o auctor adoptou o systema
etymologico vigente desde a epocha classica até a decada de 1940.