quinta-feira, agosto 13, 2015

fale-me mais coisas sobre golden bridge
tudo o que faça minha boca encher de sangue.
tudo o que decalque meus dentes com esse mesmo sangue.
tudo o que atravesse a parte interna da língua dos outros com o gosto
do meu sangue.
sempre soube que seriamos capazes de sorrir no segundo seguinte ao salto.
sim. as ferragens da golden gate passam sua cor, talvez algum ferrugem,
no gosto que eu ainda sinto entre as glândulas salivares
não. eu não sei o que você tem a dizer sobre golden gate e o movimento dos
barcos esperando o barulho das águas engolindo ossos.
"havia turistas na ponte"
de fato, eu nunca olhei para alcatraz, não sei o sol que pode fazer ali,
desconheço a bruma que a câmera capturou e não me importo com nada mais
além desse gosto de sangue, os rastros que ficam na pia,
partindo de uns tons mais claros à ardência rubra dos coágulos que certamente
ainda escorrem pelos canos
ela era angelical,
diz a mãe de uma moça que partiu seu pescoço nas paredes do rio,
o que tenho eu com isso, mulher? com teus olhos claros, lavados por tantas
torrentes,
as roupas eram pretas, as cortinas
eram pretas
as paredes eram pretas
que tenho eu com a sindrome rock de teu filho, mulher? com teus cabelos
prateados pela espera
isso foi um pouco antes do natal,
não gostei de sua voz vovó, não devia tremer tanto o som, já devia ter parado
de chorar
ser esquizofrênico é como assistir tv,
outra moça de quem perdi o rosto e os possíveis gestos irritantes diz
e lá está the bridge, vermelha & mais vermelha ainda
eu não consigo ver alcatraz
daí por diante só descida, como se eu não soubesse, como se
eu não sorrisse
pier 39
antes de ir à alcatraz, chega de me apontar alcatraz e dizer
que é possível um lugar de sol perto daqui, tão perto do grito de alguns que
se arrependem ao estilhaçarem-se no fundo do abismo
isso não parece nada demais
nada demais?
quer que eu continue sorrindo ou que te ensine o melhor lugar para pular?
você tirava fotos deles
volte lá e
deixou a bolsa no chão e pulou
deixou a bolsa
jump
estou 100% convencido de que ... cometeu suicídio
quem?
fale-me mais coisas sobre golden bridge,
ele não pode olhar...
ele não conversa com você assim?
coragem de fazer aquilo, ahhh como é fascinante, tão fascinante que eu nem me
irrito mais com a voz daquela vovó, com esse gosto de sangue, ainda
com o som de pianos irônicos e uma voz estrangeira tocando no rádio do carro que
cruza a vermelha & cada vez mais vermelha ponte
... ele está lá
no fundo? nas rochas mais ao norte de onde nem sei?
perto de umas estruturas carcomidas, nunca mais vermelhas?
... ninguém sabe o que você está passando.
um barco apita por ali. procuram mais e mais e mais. um apito.
... é aí que alguém vai ter coragem.
pelo menos ele me agradeceu por dizer a verdade...
a verdade? no fundo do rio há gosto de sangue entre os dentes também?
será que todos eles fogem desse mesmo esvair-se, desse sabor?
porque ele falava quase fazendo piada.
eu sei.eu sei.
ele uivava, não? anos e anos e anos... ele uivava na parte mais fotografada pelo
homem na américa do norte
é uma festa essa ponte, será que é muito fundo? fundo?
tudo o que faça minha boca encher de sangue?
ei todos vocês aí embaixo, respondam!
você vai mesmo morrer assim, perguntaram a cada um de vocês.
mas eu pergunto pelo fundo de onde vem esse sangue
e vocês não podiam ficar assim
tão cheios de peixes, tão azulados e podres e sem nomes próprios na boca
vocês não atravessaram nada depois
e é a parte difícil pra mim,
todas a falas desse texto são reais, menos a minha
e nem adianta avisar,
san francisco ao fundo, amigos prestes a perder um amigo
mochilas de gente bem vestida,
longo caminhho até a água, sim e a mochila pode acelerar tudo
nós nunca o vimos pular
não teve nada a ver com você? sério? quem pode acreditar nisso?
tentou tudo o que podia?
vamos falar da névoa, quando a ponte some dentro dela e não se sabe quem some
na ponte
ela subiu com tanta facilidade
é isso, eles iam
uma cena perfeita,
só quero extinguir tudo o que faça minha boca encher de sangue
assim
sempre soube que seriamos capazes de sorrir no segundo seguinte ao salto
que ainda não é o nosso
sempre soube que não adiantaria nada
agora mesmo você escuta o som de mais um baque na água
vamos... sim! você pode! nós podemos sorrir!
e certamente outras bocas o farão quando for a nossa vez

                                                    Jonatas Onofre

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