quinta-feira, agosto 20, 2015

cântico
é preciso retomar
o angustioso silêncio
de quem está matando
para morrer,
eu sempre segui assim,
barulho de ogivas
roçando-se
na ferrugem dos bolsos,
até o instante em que
teus olhos quase me
disseram: "sorria
como se não estivesse
asfixiando-se numa poça
de sangue"
e eu quase acreditei
e esqueci das bolhas que
minha respiração fazia
antes de qualquer vento
coagular nas minhas
extremidades
aí foi tempo de
perceber a tolice
de qualquer distância
e que fatalmente
nunca mais levantaria
com alguma firmeza
o rosto que desceu
procurando todas as
tuas bocas
o que mais pode
ser dito quando as
palavras
ainda estão por existir?
pode ser
engraçado
pensar que, mesmo assim,
minha língua
dobra de tamanho
quando
aceito as saudades
que ela sente
da tua
a cidade não
é a mesma urgência
e as coisas ávidas
estavam mentindo pra
mim
desde quando as garrafas
quedavam-se intactas
eu, dúvida
que se deixa mastigar
pelo segredo
me alcanço
na sórdida orquestração
de um sintoma
sim, posso não
passar de um armazém
fraturado
por uma doença
tropical
o ranger de dentes
é meu último recado
antes de apertar
o mecanismo do cadeado
espesso na garganta
antes -
pois não me
esqueço de ser
crueldade -
é preciso rasgar-te
com o angustioso cântico
de quem está vivendo
para nunca mais

            Jonatas Onofre

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