terça-feira, junho 30, 2015

O brilhos nos lábios seria texto cruel, se não fosse teu cheiro de páginas azuis. A capa pólen soft 90g/m² - rosto empanado de ácaros, chumbo, pele de animais mortos, estaria condenada a perpetua excrementação dos mamíferos. Mas para ti há outro fado, leveza de voo invisível. Uma crosta, um freixo, um zigoto te escama e venda teus olhos. Vai. Já posso sentir teus dedos do pé coçando as horas. Vai. Também quero fechar os olhos.
                                                                                 Carlos Nascimento

segunda-feira, junho 29, 2015

Toda nudez será solfejada

Segundo os principais compêndios de teoria musical, melodia e ritmo são marcos indispensáveis para se delimitar as fronteiras entre o que é ruído e o que é música. Um terceiro elemento, bem conhecido de nossos ouvidos, a harmonia, seria um acessório, um acréscimo caprichoso do fechadíssimo sistema tonal tradicional, digamos que seriam as roupas, importantes por convenção, mas não indispensáveis para a existência do corpo. Não vou adentrar a questão do desconforto provocado por uma possível “nudez musical”, na poesia confesso uma preferência pelo desnudamento do poema. O que importa saber é que se torna um desafio definir os dois primeiros termos, deixar claro onde a melodia começa e onde o ritmo encerra, identificar as possíveis independências. Numa peça musical são cobra de duas cabeças, figura bifurcada, ou o velho lugar comum da moeda. Considerando que palavras guardam sonoridades regulares e juntas numa folha indicam pulsações, essa coisa de melodia e ritmo torna-se bem mais concreta, se perfaz no poema. Acredito que ele também tenha esses dois lados inseparáveis, complementares, (isso tratando da ossatura do texto) e seu pedaço supérfluo que pode ser a propria palavra sem freios, o discurso sobrepujando estrutura e imagem. Há o esqueleto e os músculos necessários para o movimento, e há os tecidos. 
O compositor veste suas melodias e ritmos com acordes, dissonâncias, progressões complexas, malabarismos harmônicos e já nos acostumamos com tais rebuscamentos, perdemos o gosto de simplicidade do monocórdio canto tribal. Em medidas diferentes, há poetas que vestem seus poemas com os próprios excessos da palavra. Falta-lhes o prumo, o fiel que não provoque muitas oscilações nos pratos da balança. Contudo acho a poética do excesso válida, fecunda e perigosa, assim como a tendência supostamente mais ascética guarde outros riscos e bônus. Penso a poesia muito na dimensão de provocar o essencial, não no sentido de pureza, mas de violenta eliminação do que excede. Buscar o branco, o espaço ósseo, descarnar o poema, ir mais longe à propria nudez, na intenção de perturbar outra melodia que pode estar num nível mais profundo, apenas à espera dos instrumentos máquina/mágicos do poeta para levantar-se em canto. Mas não sou maluco de anular as outras veredas. Quem prefere casacos de pele, vestes suntuosas, robes de chambre, sobrecasacas envolvendo seus textos: melodia, ritmo, harmonia, contraponto e grande orquestra, tem meu respeito. Mas não consigo esquecer a metáfora e o calor real desse sol nordestino sobre minha cabeça, e a vontade que ele às vezes me dá de quebrar as convenções de vestimenta. Se não é possível praticar certas subversões fora da folha, pelo menos não publicamente, então solfejo a nudez dentro das linhas do poema e não me importo se alguém quiser castigá-la.
                                                                         Jonatas Onofre

As imagens estão cansadas
Perceba os gases brotando das nuvens
Os arames vestiram ferrugem
Não há nada para lutar em vão
Simples assim é o vinho que tomamos
Basta pés e uvas, um pouco de terra, talvez
Imagino que o sol morrerá quando os sacos
Plásticos forem nossas únicas casas, novamente
Será tão nítido quanto o couro cabeludo
Dos guardanapos – Éramos assim também:
Descontraídos com o vento, mas a calma não
Se importa com ninguém. Repito.
Sentir os braços a cada murro na parede, agora,
É nosso único sinal de vida?
Sempre repito. A chuva é nosso único irmão.

                            Carlos Nascimento