domingo, setembro 20, 2015

O rosto de benedita vincado, vincado de rugas tão belas. que benedita ainda é moça. apesar de mãe, vó, bisa. oitent'anos de mocidade sob o lenço. assim ela consola os cabelos. mais que de prata eles são. à vista. só os poucos que se derramam do tecido grosso. sem estampas. os olhos, os olhos de benedita olham sim. e sempre a parte de mais incêndio em qualquer corpo. é um corpo pouco. o dela. pequenas. roupas alvas. ariadas em pedra de rio. a boca de benedita murcha, murcha é também uma flor tão luminosa. sabe-se que agora não se lamenta pelos dentes. pela ausência de qualquer coisa. que tudo o que resta já guarda como dádiva. a essa altura não há razão de lixo na vida. nunca houve pronúncia de luxo. nem de temor da loucura. os sãos oprimem com ferrões e lucidez. ela prefere o barro. as mãos mudando a cor debaixo de chuva. as veias regidas por outra maneira de desembestar o coração. viver mais do que sempre. o exercício amanhecido de gargalhar nas encruzilhadas. uma vila inteira não ouvindo a voz. a voz de benedita. dobrando esquinas. subindo telhados. revirando folhas nos quintais. benedita moça de novo. moça sempre. dia após era. era após hora. família vivendo as lonjuras de ser família. dos cuidados. dos medos. qualquer dia uma queda. um coração espocando na ladeira. uma cabeça partida em cacos de argila. e o corpo como aquele pote que a menina benedita estirava no chão de terra batida de mãe. tempo que não se sabe o quanto tem de ontem. de agora. o corpo como pote fica no chão todo manso em ser coisa quebrada. o é. chão cicatrizado de tanto passo de gente e bicho. Benedita morre não. sabe. volta a ser mais que pó. mais que barro. mais que estátua na praça. pequena entre casas de taipa. as mãos de benedita cálidas, cálidas franzindo as roupas do noivo. moço agora. como ela. desenterrado do canteiro lateral do cemitério. o juízo de benedita dizem. perdido. um dia ela voltando do rio e já nas costelas trazia aquela risada. ninguém devia espantar-se com isso. filhos e filhas. todos só precisam louvar seus longos cabelos. os mistérios de sua pele toda escrevinhada. décadas e décadas. benedita pregando-se nua nos varais. benedita esquecendo a língua inútil dos homens. benedita morre não. sabe. ninguém nunca resiste a tal amor. Ninguém vive não. só se um dia sentar nu. abraçar o chão junto com ela. e pedir. vó benedita ensina que a gente aprende. ensina que a gente cansou de razão. ensina que agora a gente quer viver. viver vida mesmo. viver verdade.

Jonatas Onofre

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