segunda-feira, julho 27, 2015

Sobre datas comemorativas e outras (in)utilidades*

Não é por hoje e toda essa mania de festa – e todo ridículo que possa habitar o culto às efemérides – mas resolvi dizer alguma coisa sobre o escritor. Entidade pairando sobre a face das águas ardentes de qualquer lugar fétido, figura se esgarçando na penumbra de um quarto, exilado, parece querer escapar de seu cubículo para enfrentar o incêndio dos holofotes. Vejo que é preciso abrir uma temporada de caça a esse estranho espécime que vem sofrendo grandes mutações, vem assumindo cada vez mais papéis que não lhe caem muito bem. Está na hora de enfiá-lo numa solitária e deixa-lo mofando lá. 

Que pague o preço sem reclamar e não queira fazer graça. É fácil ser louco depois de fumar um, aos pés de um totem de garrafas de uísque, com a língua dormente por tanto doce e travessura, quero ver pular com a cuca purinha, de cara lavada e provando todo medo de quebrar os dentes. Quero ver construir o texto experimentando o amargo do silêncio e do desprezo. Quero ver seguir com o mesmo estilo mesmo depois de escarrarem na boca berrando: “careta!”. Muita coisa pesa e pega em mim também: é estranho esse tempo em que o jeito de conversar com o leitor muda com a velocidade dos likes. Parece-me que há uma epidemia de preguiça grassando pelos terrenos cada vez menos reais de nossas convivências, uma preguiça irmã da conveniência e das fórmulas de sucesso: sim, o sucesso além de ser essa coisa indefinível (se houver o mínimo de vergonha na cara de quem quiser defini-lo) é também fácil... Ou seria mesmo fóssil? Nossa literatura tão novíssima já merece uma escavação arqueológica, muito embora exista poesia e prosa, mesmo quando sabemos que está muito bem trancafiada em alguma gaveta, ou nos recantos mais empoeirados de um sebo. 
Poderia perguntar onde se meteu a crítica literária e certamente se faria um silêncio embaraçoso. O que vale é ainda estar querendo briga num terreno tão pacífico de um lado (o lado de dentro do mercado, lugar das verdes pastagens, das taças cheias, das camas muito bem ocupadas, dos autorretratos na sacada) e tão violento do outro (o lado dos maltrapilhos, dos revoltados de fúria eriçada, dos que contam moeda pra comprar o papel de rascunho) e claro que não estou afirmando que a coisa chegou nesse ponto de maniqueísmo, muito longe de mim: eu desconsiderar as nuance perigosíssimas desse cenário. A coisa tá bem feia ao mesmo tempo em que ainda se faz alguma coisa e não se pode esquecer. O negócio é segurar nas idéias fixas, ser obsessivo mesmo. Fazer corpo mole é pedir pra ser engolido pelo agora faminto, leão que parece banguela... Mas deixa-o abrir a boca... Deixa pra tu veres...
                                                                              Jonatas Onofre

*Texto originalmente publicado em Nauvoadora - Revista Literária (http://nauvoadora.blogspot.com.br/).

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