quinta-feira, julho 02, 2015

Preço

Há algo de terrível em permanecer escrevendo. A não-permanência. Não sua, dos outros. Demora, demora muito pra você se acostumar (ou se embrutecer, que é mais conveniente). É assim: você escreve e alguém também escreve; este alguém conhece mais outrem que também manja dos paranauês. Naturalmente vai rolar uma empatia. Mas aí vem a vida e grita: trouxas! Claro, a vida é sagaz. Não chega arregaçando assim.
Ela te chama pra fazer vestibular. Pra fila do primeiro emprego. Pra tirar a carteira de motorista. Pra arrumar um emprego melhor. Pro mestrado. Pro concurso público. Pra estabilidade financeira. Pra rachar um apê com amigos. Pro doutorado. Pra casar. Pra quitar o automóvel. Pra um emprego ainda mais bem remunerado. Pra pós-graduação. Pra cuidar dos filhos. Pra morrer em paz.
É possível administrar com a escrita? Claro.
Só que você — você — percebe que não tem nada a ver com isso. E permanece. Só que nem todo o grupo ficou. Só um pedacinho e, mesmo mutilados, vocês até que foram longe. Conquistaram leitores. Leitores que também não permanecerão. Não por uma queda de qualidade do que você escreve. Vide o chamamento da vida supracitado.
Se na sua cidade corre um rio, você sentará na margem pra observá-lo. Se for litorânea, será com o mar. Se há algum rochedo elevado, é lá que você vai ficar olhando o sol deitar. Se você mora em prédio, vai se avarandar à noite vendo as luzes se apagarem. Não importa onde você esteja: é tudo deserto. E mesmo sabendo que até a dor é passageira, você vai procurar algum motivo pra que tudo fique doendo menos.
Você vai encontrar. E não permitirá — não mais, nunca mais — que as coisas simplesmente passem; que as pessoas saiam acenando. Até a próxima, valeu; a gente se esbarra! Nada nem ninguém passará mais por você como um sopro. Só a tempestade te interessa, menos que isso você não aceita. É este o preço pela permanência. Sim, é caro. E você já está enfiando até o pescoço nessa lama. Você não tem escolha. A saída é abrir um crediário.
                                                                                             Fred Caju

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