sexta-feira, outubro 23, 2015

Considerações sobre o poeta (r)existindo

Ocorreu-me agora – bem agora – que estou outro. É certo que venho repetindo – quase – isso há dias para mim e para alguns. Mas não me refiro ao sujeito – ao elemento que aceito ser nas cadeias todas que me prendem ao curso natural da existência – Não estou falando do eu que pode ter umas consciências. Tudo isso muda. Absolutamente: tudo isso passa.  Avançamos, regredimos, aprendemos, esquecemos, desprezamos... As ideias atravessam a cabeça. Os desejos exigindo respostas ágeis e práticas do corpo também sofrem alterações. A fome de entender o que nos cerca continua muito parecida com uma espécie peculiar de libido: hora ou outra entra em conflito com as parte mais racionais e frias da carne, excita nos locais mais improváveis, nega seus fogos e artifícios no momento preciso e produz orgasmos insólitos (como se todos não o fossem) quando nem se pensava naquilo. Aquilo entenda-se isso: a vida mesmo. O que não ajuda em nada quem ainda quer captar o que eu tento apontar aqui. Sei. Insisto no óbvio: mudamos, sabemos que mudamos – embora às vezes a percepção disso seja tardia – e aceitamos a necessidade de mudança. Eu por exemplo (como estava tentando dizer) só agora percebo que o poema – assim como os corpos belos ou grotescos com os quais lidamos quase sempre ou quase nunca – interfere profundamente nesse processo. Vejamos: Meu poema me altera o jeito de encarar certa atitude humana que ontem me espantava hoje me enoja e eu, de forma muito ingênua –para não dizer patética – penso que disponho de todas as suas maneiras. Os poemas alheios me constrangem na dimensão absurda de suas revelações sobre mim, sobre o que sinto, sobre o que ainda ouso defender. Como leitor eu nunca sou/serei o mesmo. O maior risco de permitir a invasão do texto nesses terrenos perigosos  do sentimento é o extravio de qualquer chão. Eu poderia jurar – antes – que estava imune a esse tipo de magia negra. Que obra alguma teria tal poder ou permissão de minha parte para devassa tão profunda de coisas minhas “de verdade”. É claro que ao escrever eu poderia ter todos os feitiços possíveis a meu dispor, porém não seria bobo de deixá-los virarem sobre minha própria cabeça. Engano – muito engraçado para os outros – quase trágico para quem o engendra. Agora não é só o acontecimento “normal” (já que o poema é muito um acontecimento também, mas de “aberração”, uma anomalia provocativa), não é só a fossa, o porre, a bancarrota que atravessam a gente num plano mais pragmático, é também esse distúrbio nas pupilas dilatadas, esse instante de possessão demoníaca ou coisa (desa)parecida, essa incontornável overdose de imagem, som e sentido. Descubro que estava correto quem não quis contar: o poema nem carece de (r)existir, (assim como não carece de cigarros e doses mais fortes de bebidas quentes). O poeta? Sim? De quase isso tudo? (r)existir soa melhor que meramente existir ou resistir. Ser outro na constatação: estou de pé no mesmo lugar ou de volta ao lugar anterior, mas não sendo mais – nunca – o mesmo. estar outro. A cada leitura. A cada palavra assentada no subsolo da voz na folha. Acho que tem muita beleza o gesto de admitir isso ao mesmo tempo em que é melodramático. Tragicômico? Homem aceitando fragilidade é sempre assim? Não se meta a escrever quem não tem estômago para se olhar nos espelhos. Aceitar a possibilidade de os estilhaços não colarem é um passo interessante. O primeiro,  acredito com mais força agora, é dizer que não reconheço mais quem escreveu a primeira frase desse texto.

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